José Roberto Guzzo, O Estado de S.Paulo
O ex-presidente Lula acaba de completar uma semana do lado
de fora da cela sala-e-quarto onde passou o último ano e meio, mas não foi
preciso mais do que uma ou duas horas para ficar claro que ele saiu de lá, na
melhor das hipóteses, igual ao que era quando entrou. Talvez já tenha passado
da idade para fazer mudanças. Talvez não consiga ser diferente da pessoa que se
tornou desde que sua vida política foi à falência – ou, como se diz hoje,
entrou em recuperação judicial. Talvez tenha uma incapacidade clínica de
perceber que pode cometer algum erro. Acha que está sempre ganhando, mesmo
quando o placar mostra 4 a 0 para o adversário – e quando a coisa fica assim
nada tem conserto. O fato é que Lula não foi capaz, depois de solto, de fazer
um único gesto de paz. Como antes de ser preso, quando ameaçava por “o exército
do Stédile na rua”, só conseguiu apresentar uma proposta: “Vamos para a briga”.
Os especialistas em analisar Lula e concluir que ele sempre
tem alguma estratégia genial na cabeça, tão genial que está necessariamente
acima do entendimento comum, sugerem que o homem, mais uma vez, está dando uma
aula de política para o Brasil. Que aula seria essa? Como no “Plano de Deus”,
que o catecismo nos diz que é misterioso por natureza, e por isso dispensa explicações
lógicas, o Plano de Lula nos será, talvez, revelado um dia. Por enquanto o que
temos é o que ele diz em público. Uma de suas primeiras sugestões foi
transformar o Brasil “num Chile”, onde milícias do mesmo tipo que as suas
querem obter o socialismo instantâneo tocando fogo no metrô. Outra foi disputar
com o ministro Sérgio Moro, mano a mano, um pega de MMA para ver do lado de
quem o povo brasileiro está. Declarou uma guerra de destruição contra o governo
eleito do presidente Jair Bolsonaro. O pensador-chefe de seu partido disse que
“a luta”, agora, não é mais para tirar Lula da cadeia, mas para “retomarmos o
governo” – ou o poder, que, segundo o mesmo pensador, é uma coisa “muito
diferente do que ganhar eleições”. O que significa um negócio desses? Deve
fazer parte, talvez, do “Plano de Deus” – de modo que não adianta ficar
perguntando muito.
O que se pode dizer, com certeza, é que nada disso combina
com a vida real. Lula continua inelegível e condenado, por corrupção passiva e
lavagem de dinheiro, em três instâncias. Não foi absolvido de nada – ao
contrário, já está condenado num segundo processo criminal e tem mais uma meia
dúzia de sentenças ainda a receber, das quais poderá apelar em liberdade por
graça do STF. Bolsonaro e Moro, com quem ele quer brigar diretamente, são as
figuras políticas mais populares do Brasil. Para destruir o presente governo
Lula precisa combinar com os resultados concretos da economia, que estão fora
de seu controle; não é fazendo “greve geral” e queimando pneu na rua que vai
alterar o PIB, a inflação ou a taxa de juros. A oposição que ele diz comandar
não tem 20% dos votos da Câmara e menos ainda que isso no Senado; na última vez
que foi brigar, na reforma da Previdência, o governo ganhou com uma maioria de
três quartos. Não pode nomear um porteiro de repartição. Terá de vencer
eleições já no ano que vem, para as prefeituras, e em 2022. As Forças Armadas
não estão a seu serviço, como acontece na Venezuela, para virar a mesa.
O fato é que Lula joga tudo, mais uma vez, no “nós contra
eles”. O problema, nessas coisas, é saber direito quantos são os “nós” e
quantos são os “eles”. São pequenos detalhes assim que criam as grandes dores
de cabeça dessa vida. Os piores desastres, como se sabe, são causados por
aquilo que não aprendemos.
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