segunda-feira, 18 de novembro de 2019

O juridiquês escroto de Celso de Mello e Rosa Weber

J R Guzzo


O Artigo 13 da Constituição Federal diz que “a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”. Mas quem ouve a ministra Rosa Weber ou o ministro Celso de Mello, por exemplo, lendo no plenário do Supremo Tribunal Federal a papelada em que escrevem as suas sentenças não consegue entender coisa nenhuma do que estão dizendo. É português, aquilo? As palavras estão no Aurélio, é verdade, mas alguma coisa está muito errada com todo o resto, pois o patuá com que se dirigem ao público é perfeitamente incompreensível.

Existem problemas óbvios com a sintaxe, a morfologia, a semântica, a análise lógica, a sequência compreensível de frases, a conclusão de raciocínios e tudo o mais o que compõe uma gramática correta - e o resultado é que ao invés de usar as palavras certas nos lugares certos, mandamento número 1 da linguagem bem falada ou escrita, usam as palavras erradas nos lugares errados.

Pode isso, Arnaldo? Não deveria poder, pois o cidadão brasileiro, pelo que diz a lei, tem o direito de ler ou ouvir em português todo e qualquer documento público. Com o idioma que usam, a ministra Weber ou o ministro Mello poderiam muito bem falar em húngaro nas sessões, por exemplo - iria dar na mesma, já que ninguém vai entender nada de um jeito ou de outro.

Esses dois são casos desesperados, mas a maioria dos outros ministros não é muito melhor - acham que estão falando em “linguagem técnica”, ou “erudita”, quando estão apenas escondendo a sua incapacidade de se expressar em português correto. É uma comprovação a mais do subdesenvolvimento deste País.

Imprensa inventa maioria de negros nas faculdades

Gabriel Wilhelms - O uso dos pardos como curingas em nosso baralho racial

Vemos nas manchetes que pela primeira vez na história os negros são maioria nas universidades públicas, representando um percentual de 50,3%. O número chama a atenção, então decido “cavar” mais um pouco, apenas para descobrir o que já sabia quando li as manchetes: o percentual de 50,3% é o somatório de pretos e pardos, que, por alguma razão, para o IBGE compõem a chamada população negra. O número está presente no estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil do IBGE.

 A estatística induz ao erro, levando a crer que mais da metade das vagas são ocupadas por pretos, quando na verdade o são na maior parte por pardos. O mesmo acontece com a população brasileira, afinal, quantas vezes ouvimos por aí que mais da metade da população é formada por negros? A pegadinha é que a parcela realmente formada pelos que se declaram pretos é bem menos expressiva. Conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua de 2018, 43,1% se declaravam brancos, 46,5% pardos e somente 9,3% pretos; esses três grupos respondem por 99% da população brasileira, sendo o restante composto por outras etnias. O uso do termo “negro” para abarcar pretos e pardos pode parecer uma sutileza de menor importância, mas na verdade esse fato altera todas as conclusões que podem ser tiradas da estatística.

Como podemos notar, os pardos, que representam diferentes tipos de miscigenações – brancos com pretos, brancos com indígenas ou pretos com indígenas, entre outras – perfazem a maioria da população brasileira, revelando nada mais, nada menos do que a miscigenação histórica que atuou na formação da civilização brasileira. Portanto, as tentativas de traçar uma linha arbitrária entre pretos e brancos e de advogar o faturamento de pretensas dívidas históricas entre uns e outros encontram na própria “mistureba” do brasileiro um empecilho. É aí que entram os pardos, ora dando peso em números para alguns argumentos, ora para outros, servindo como verdadeiros curingas no baralho racial que é o brasil.

 Não que eu acuse o IBGE de fraudar as estatísticas, mas o instituto toma mão de uma definição que me parece bem infeliz e que abre margem para o uso manipulativo, servindo, intencionalmente ou não, como um aliado da desinformação, sobretudo porque, segundo o próprio enquadramento do IBGE, pretos e pardos são categorias distintas juntamente com brancos, amarelos e indígenas. Podemos notar que certos militantes, visando a exagerar e dramatizar seus argumentos, tendem a transformar os pardos em pretos em presídios – subsidiando narrativas como a do encarceramento em massa da população negra – e em brancos nas universidades – sugerindo que estes sejam ambientes de amostra da segregação racial. Ironicamente, o estudo do IBGE contrapõe o argumento. Aliás, o que o estudo revela é que, assim como uma parcela expressiva da população brasileira, os pardos também são significativos nas universidades

O estudo, como sugerido pelo nome visa a apontar “desigualdades” entre brancos e negros (pretos e pardos). O problema é que, se considerarmos que há mais pardos do que brancos, essas estatísticas não traçam um cenário realista da população brasileira. Poderíamos usar a estratégia do presídio e inverter a lógica, somando pardos com brancos, o que seria igualmente irrealista para os argumentos sustentados, já que a maioria da população continuaria sendo miscigenada.

Juntando as duas categorias como se fossem a mesma coisa, o estudo chega a conclusões como a de que a população de pessoas desocupadas é de 64,2% dos “negros” contra 34,2% de brancos, ou de que o rendimento médio real habitual de pessoas ocupadas é de R$3.282 para os brancos contra R$2.082 para os negros em ocupações formais, e de R$1.814 para os brancos contra R$1.050 para os negros em ocupações informais.

Alguém poderia arguir que, se ao invés de somados aos pretos, os pardos fossem somados aos brancos, alguns números poderiam ser ainda mais alarmantes em termos de “desigualdade” para a população de pretos, mas aí que está o X da questão, pois, como vimos, estes perfazem menos de 10% da população brasileira, o que obviamente explicaria menor peso percentual em universidades, por exemplo. Talvez por isso haja um fetiche tão grande em colocar os pardos na conta, pois se a “população negra” resultante é de mais da metade da população, então isso daria peso à estratégia de se cobrar a mesma fatia de presença e participação em diferentes contextos, o que se personifica muitas vezes em políticas públicas (feitas com dinheiro público), como no caso das cotas raciais.

Não vejo sentido em classificar os pardos como negros e vejo menos sentido ainda em usá-los para pintar um cenário de maior desigualdade racial quando estes são justamente os que melhor demonstram a miscigenação do povo brasileiro, a mistura de cores e etnias que é obstáculo para as tentativas de polarizar negros (pretos) e brancos, sobretudo quando políticas públicas serão paridas a partir daí.

domingo, 17 de novembro de 2019

Lula saiu da prisão, na melhor das hipóteses, igual ao que era quando entrou

José Roberto Guzzo, O Estado de S.Paulo

O ex-presidente Lula acaba de completar uma semana do lado de fora da cela sala-e-quarto onde passou o último ano e meio, mas não foi preciso mais do que uma ou duas horas para ficar claro que ele saiu de lá, na melhor das hipóteses, igual ao que era quando entrou. Talvez já tenha passado da idade para fazer mudanças. Talvez não consiga ser diferente da pessoa que se tornou desde que sua vida política foi à falência – ou, como se diz hoje, entrou em recuperação judicial. Talvez tenha uma incapacidade clínica de perceber que pode cometer algum erro. Acha que está sempre ganhando, mesmo quando o placar mostra 4 a 0 para o adversário – e quando a coisa fica assim nada tem conserto. O fato é que Lula não foi capaz, depois de solto, de fazer um único gesto de paz. Como antes de ser preso, quando ameaçava por “o exército do Stédile na rua”, só conseguiu apresentar uma proposta: “Vamos para a briga”.

Os especialistas em analisar Lula e concluir que ele sempre tem alguma estratégia genial na cabeça, tão genial que está necessariamente acima do entendimento comum, sugerem que o homem, mais uma vez, está dando uma aula de política para o Brasil. Que aula seria essa? Como no “Plano de Deus”, que o catecismo nos diz que é misterioso por natureza, e por isso dispensa explicações lógicas, o Plano de Lula nos será, talvez, revelado um dia. Por enquanto o que temos é o que ele diz em público. Uma de suas primeiras sugestões foi transformar o Brasil “num Chile”, onde milícias do mesmo tipo que as suas querem obter o socialismo instantâneo tocando fogo no metrô. Outra foi disputar com o ministro Sérgio Moro, mano a mano, um pega de MMA para ver do lado de quem o povo brasileiro está. Declarou uma guerra de destruição contra o governo eleito do presidente Jair Bolsonaro. O pensador-chefe de seu partido disse que “a luta”, agora, não é mais para tirar Lula da cadeia, mas para “retomarmos o governo” – ou o poder, que, segundo o mesmo pensador, é uma coisa “muito diferente do que ganhar eleições”. O que significa um negócio desses? Deve fazer parte, talvez, do “Plano de Deus” – de modo que não adianta ficar perguntando muito.

O que se pode dizer, com certeza, é que nada disso combina com a vida real. Lula continua inelegível e condenado, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em três instâncias. Não foi absolvido de nada – ao contrário, já está condenado num segundo processo criminal e tem mais uma meia dúzia de sentenças ainda a receber, das quais poderá apelar em liberdade por graça do STF. Bolsonaro e Moro, com quem ele quer brigar diretamente, são as figuras políticas mais populares do Brasil. Para destruir o presente governo Lula precisa combinar com os resultados concretos da economia, que estão fora de seu controle; não é fazendo “greve geral” e queimando pneu na rua que vai alterar o PIB, a inflação ou a taxa de juros. A oposição que ele diz comandar não tem 20% dos votos da Câmara e menos ainda que isso no Senado; na última vez que foi brigar, na reforma da Previdência, o governo ganhou com uma maioria de três quartos. Não pode nomear um porteiro de repartição. Terá de vencer eleições já no ano que vem, para as prefeituras, e em 2022. As Forças Armadas não estão a seu serviço, como acontece na Venezuela, para virar a mesa.


O fato é que Lula joga tudo, mais uma vez, no “nós contra eles”. O problema, nessas coisas, é saber direito quantos são os “nós” e quantos são os “eles”. São pequenos detalhes assim que criam as grandes dores de cabeça dessa vida. Os piores desastres, como se sabe, são causados por aquilo que não aprendemos.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Você sabe quanto custa para sustentar onze picaretas?


STF - RELATÓRIO DE ATIVIDADES DE 2016

TOTAL GASTO: R$ 554.750.410,00
Folha de pagamento do pessoal ativo: 206.311.277,11
Aposentados e pensionistas: R$ 131.300.522,83
Assistência médica e odontológica: R$ 15.780.404,89
Auxílio-moradia: R$ 1.502.037,00
Ajuda de custo: R$ 1.040.920,00
Educação pré-escolar: R$ 2.162.483,00
Alimentação: R$ 12.237.874,00
Auxílio-funeral e auxílio-natalidade: R$ 204.117,00
Reformas e manutenção: R$ 1.852.355,49
Transportes: R$ 5.420.519,10 (só de lavagem foram gastos R$ 109.642,48)
Transparência: R$ 32.236.498,26
Informática: R$ 10.512.950,00
Segurança institucional: R$ 40.354.846,00

TOTAL DE PESSOAL: 2.841
Funcionários ativos: 1.216 (554 com função gratificada),
Estagiários: 306
Terceirizados: 959
Bombeiros civis: 25
Secretárias: 85
Vigilantes: 293
Jornalistas: 19
Recepcionistas: 194
Encadernadores: 29
Serventes de limpeza: 116
Copeiros: 24
Garçons: 27
Motoristas: 58 (ao custo anual de R$ 3.853.543,36)
Jardineiros: 7
Marceneiros: 6
Carregadores de bens: 10
Publicitários: 5

sábado, 5 de outubro de 2019

A farra gastronômica da anta com cartão corporativo

O sigilo nos gastos da Presidência da República com cartão corporativo foi criado para proteger informações que possam ameaçar a segurança do presidente e de seus familiares. Mas a privacidade imposta pela lei esconde também despesas com mordomias e luxos que a maioria esmagadora dos brasileiros não tem acesso, como, por exemplo, bebidas e comidas sofisticadas.

É o que mostram os gastos até hoje secretos feitos para atender a então presidente Dilma Rousseff em 2012, no segundo ano de mandato dela. Com base na Lei de Acesso à Informação, o blog solicitou ao Palácio do Planalto a abertura dos arquivos que registram as despesas com cartão corporativo da petista e também de Lula e Michel Temer. A legislação determina o sigilo de 98% das despesas da Presidência da República e a confidencialidade dura até o final do mandato.

Ao longo dos últimos 15 dias, o blog analisou os relatórios do governo Dilma e descobriu gastos extravagantes, como garrafa de cachaça por R$ 380 e compra de camarão rosa tamanho GGG por R$ 230 o quilo. Há ainda o aluguel de uma lancha para passear por R$ 30 mil. Todos os valores foram atualizados pela inflação.

Dilma viajou para a Base Naval de Aratu, no município de Salvador, para passar o réveillon e alguns dias de folga, no final de dezembro de 2011. Só com a lavagem de roupa de cama, mesa e banho foram gastos R$ 3,8 mil. Também foram gastos R$ 340 com o aluguel de filmes clássicos na Cult Vídeo. A locação de um gerador de energia elétrica para iluminar as instalações da base custou R$ 10 mil. Tudo pago com cartão corporativo.

Um verdadeiro séquito de servidores acompanhou a presidente, desde seguranças até empregados domésticos. A lancha utilizada pela presidente Dilma e convidados durante a sua permanência na base naval foi alugada por R$ 20,4 mil (valor da época). O relatório da viagem informa que a despesa foi paga “em espécie” porque o fornecedor não trabalhava “com nenhum tipo de cartão de crédito”.

Em janeiro de 2012, as compras para atender as necessidades do Palácio da Alvorada incluíram 6 garrafas da cachaça Havana, uma das mais famosas do país, ao preço de R$ 246 a unidade. No mês seguinte, a adega foi reforçada com 6 garrafas do espumante Freixenet Cava Premium, por R$ 91 cada; mais 6 garradas do vinho português Quinta das Tecedeiras, no valor de R$ 136 a unidade. De Araguari (MG), vieram mais 8 garrafas da cachaça Montanhosa Tonel, no valor de R$ 280 cada uma delas.

Os alimentos mantinham a sofisticação das bebidas. No mesmo período, foram comprados no Empório Kalamares 5 quilos de codorna desossada por R$ 577 e 8 quilos de carrê de cordeiro por R$ 976. Na Peixaria do Guará, a mais tradicional de Brasília, além de 41 quilos de congro rosa e pescada amarela, foram adquiridos 12 quilos de camarão rosa tamanho GGG, no valor total de R$ 1,7 mil.

Na Viande Boutique de Carnes, no final de janeiro daquele ano, compraram 81 quilos de filé mignon por R$ 5,7 mil. Uma semana depois, na mesma loja, gastaram mais R$ 6,2 mil com 89 quilos de filé mignon. E ainda levaram dois quilos e meio de picanha Uruguay por R$ 239. Houve ainda a compra de mais 10 quilos de codorna desossada, tudo do período de um mês.

Nas compras de supermercados com cartão corporativo aparecem também queijos muito especiais, como o Cablanca Holandês, por R$ 99 o quilo; e o Grano Padano, por R$ 150 o quilo. E não poderia faltar a sobremesa. Os cartões corporativos já foram usados para comprar tapioca em Brasília. Em fevereiro de 2012, foram adquiridas cinco caixas de sorvete de tapioca por R$ 400.

Os cartões são usados para tudo. Naquele período, foram compradas duas coleiras por R$ 255. Dilma tinha um labrador que a acompanhou por 12 anos, de nome Nego. Nos registros há ainda aquisições de material para a manutenção da piscina do Alvorada, material da copa e cozinha, bolos e lanches variados.

Reportagem publicada no blog em 1º de agosto mostrou que, no último ano completo da presidente Dilma, as despesas com cartão corporativo alcançaram R$ 26 milhões (em valores atualizados) até o mês de junho – 25% a mais do que no atual governo no mesmo período. Mas o blog mostrou também que o presidente Jair Bolsonaro mantém em segredo mais de dois terços das informações sobre gastos com cartões corporativos do governo federal, num total de R$ 13,5 milhões, seguindo práticas de administrações anteriores.

As maiores despesas pagas com cartões são feitas nas viagens nacionais e internacionais. Nas viagens locais, onde o presidente participa de festividades e outros eventos, é necessária a mobilização de um grande contingente de seguranças, policiais e até militares, o que resulta em gastos com transporte, alimentação e hospedagem. Trataremos disso nas próximas reportagens.

Há, ainda, gastos com as despesas dos ex-presidente da República e com os familiares dos presidentes durante os seus mandatos. No governo Lula, a Presidência chegou a mobilizar quatro equipes simultaneamente para garantir a segurança de seus filhos. Também foi assegurada segurança para familiares da então presidente Dilma.

O cartão de pagamento do governo federal, na forma de cartão de crédito, foi criado para pagar despesas eventuais de pequeno valor, que exigem pronto pagamento, e também compras em caráter sigiloso. Na prática, podem comprar quase tudo, como combustível, passagens aéreas, medicamentos, material para construção, material impresso, etc. Também podem ser usados em restaurantes e para compras em supermercados e padarias.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Alcolumbre: R$ 72 mil com o fretamento de um avião. Saiba das farras dos senadores com nosso dinheiro

Gazeta do Povo

A divulgação das notas fiscais das despesas dos senadores, iniciada em julho, vem revelando detalhes das mordomias custeadas com dinheiro público, como banquetes para convidados, aluguel de carrões de luxo e até mesmo aviões.

A maior despesa neste ano foi feita pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) – R$ 72 mil com o fretamento de um avião para visitar suas bases eleitorais no Carnaval, em março. Pressionado por pedidos de informação que solicitavam as notas fiscais das despesas dos senadores, Alcolumbre prometeu quebrar esse sigilo a partir de julho. Cumpriu a promessa, mas a Câmara dos Deputados já faz isso há anos.

O senador Ciro Nogueira (PP-PI), campeão de gastos em restaurantes, pagou R$ 630 por 16 refeições num restaurante em Parnaíba (PI). Mas, em março, quando não havia a mesma transparência, ele havia gasto R$ 1.013 – R$ 15 acima do salário mínimo –, no restaurante japonês Kawa, em Brasília.

Em 9 de agosto, Nogueira custeou um banquete no Favorito Grill, em Teresina, no valor total de R$ 442. Os convidados comeram um bife de tira, uma picanha na brasa, dois picadinhos de filé e dois galetos. O senador espetou R$ 402 na conta do Senado. O senador também comeu um risoto de lagosta no Restaurante Lago, em Brasília, onde declarou gasto de R$ 287. Pagou do seu bolso um vinho português Dona Maria Amantis.

Embora mais comedido, Nogueira não abandonou por completo o roteiro gastronômico da elite paulistana. No restaurante Amadeus, no Jardim Paulista, comeu uma moqueca Amadeus por R$ 236, em agosto. Cobrou R$ 261 do Senado. No Hi Pin Schan, na Vila Olímpia, comeu camarão com cebolinha. Mais R$ 238 na conta do contribuinte.

Nos meses anteriores, gastou R$ 468 no Chicago Prima Parrilla, R$ 502 no Office 10, R$ 556 no Kawa e R$ 576 no Pobre Juan, em Brasília, além de R$ 846 no restaurante São João, em Teresina. A média dos gastos com alimentação – num total de R$ 19 mil neste ano – caiu de R$ 250 para R$ 160 após final do sigilo das notas. Nogueira já gastou neste ano R$ 190 mil com locomoção, hospedagem, alimentação e combustível. Isso representa 80% da sua cota para o exercício do mandato.

O blog perguntou ao senador se os jantares mais caros foram particulares ou atenderam a compromissos políticos ou de trabalho. Ele não respondeu, como sempre.

No dia 15 de agosto, o senador Elmano Férrer (Podemos-PI) chamou a sua equipe de assessores para uma reunião almoço no restaurante do Senado, administrado pelo Senac. Foram servidos cinco pratos de Bacalhau Zé do Pipo, no valor total de R$ 233, mais dois escalopes de filé mignon ao molho de vinho com arroz a piamontese, por R$ 93,20. Com mais água, refrigerantes e cafezinhos, a conta fechou em R$ 368 – pagos pelo contribuinte.

Férrer também recebeu prefeitos do interior do Piauí em almoço no restaurante do Senado, “para discutir as demandas dos municípios”, segundo informa a sua assessoria. Mais uma despesa de R$ 309 para os pagadores de impostos. A nota publicada não especifica os gastos.

O senador Cid Gomes (PDT-CE) fez apenas uma despesa com restaurante desde a sua posse, mas caprichou. Recebeu uma jornalista para almoçar no restaurante Rubaiyat, no dia 22 de agosto, na companhia de dois assessores. O prato mais caro foi uma picanha fatiada (R$ 242), mas também foram servidos fraldinha e baby beef, a R$ 114 cada. Mais a salada, a farofa de ovo, água, refrigerante e R$ 78 de gorjeta, e a conta ficou por R$ 678. O senador cobrou R$ 600 do Senado, ou melhor, do contribuinte.

A senadora Juíza Selma (Podemos-MT) pagou R$ 610 por uma refeição no Restaurante e Peixaria Okada no dia 12 de agosto. Segundo a sua assessoria, foi uma “reunião de natureza política” com o superintendente da Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), Nelson Vieira, e servidores do órgão para tratar de “assuntos de extrema relevância para o estado” debatidos na “Conferência Visão 2030: Mato Grosso Desenvolvido”.

A nota fiscal não descreve, porém, os pratos servidos no almoço, encerrado por volta das 14 horas. O gabinete da senadora afirma que a prestação de contas está em conformidade com a regulamentação do Senado.

O senador Ângelo Coronel (PSD-BA) gastou R$ 13,9 mil com combustível para aviação em setembro, para deslocamentos até o seu local de trabalho, o Congresso Nacional. A conta ficou para o contribuinte. Mas o senador não fretou aeronaves. Questionado pelo blog sobre esse detalhe, respondeu que “não houve gasto com fretamento de aeronave, já que a mesma é particular. Tudo dentro da legalidade, de acordo as normas estabelecidas pelo Senado da República”.

Perguntamos, então, se o avião é de sua propriedade. A sua assessoria respondeu que ele “é empresário e está senador”. Acrescentou que a aeronave é um jato bimotor operado pela empresa Jetgold, que atende ao senador e às empresas do grupo da família. O senador utiliza a aeronave no roteiro Salvador/Brasília/Salvador, e também em roteiros comerciais. “Quanto ao pagamento pelo uso, o senador e as empresas do grupo da sua família bancam a aeronave com recursos privados”, disse a sua assessoria.

Coronel destacou que os senadores têm direito à cota mensal para gastos com locomoção dos seus respectivos estados para Brasília (ida e volta). Em oito meses de mandato, ele utilizou apenas 8% do valor a que tem direito.

Além do "campeão", o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, o senador Ciro Nogueira já gastou muito dinheiro com aviões, tudo por conta do Senado. Em 2017, torrou R$ 157 mil com fretamento de aeronaves, mais R$ 76 mil com combustível para aviões. No ano passado, reduziu essas despesas. Neste ano, usou a sua cota apenas com combustível das aeronaves, num total de R$ 75 mil. E não informou em que aviões é transportado.

O senador Carlos Viana (PSD-MG) gastou R$ 3,9 mil com combustível para aviões em agosto e setembro. Mas também não fretou aeronaves no período. O seu gabinete afirmou que foram viagens para cumprir agenda no interior de Minas “com aviões de apoiadores ligados a um aeroclube do qual o senador foi aluno”. As quatro viagens foram realizadas em quatro aeronaves diferentes de propriedade de quatro apoiadores.

Telmário Mota (PROS-RR) vinha fazendo despesas no valor de R$ 18 mil com Daura de Oliveira Paiva neste ano. Ele se negava a informar os serviços contratados. Pelas notas fiscais de julho e agosto, é possível identificar que se trata da locação de uma caminhonete Triton 4X4. Nos primeiros meses do ano, ele pagava quantia semelhante (R$ 20 mil) a Marines Feitosa. Os valores estão muito acima da média das demais locações feitas por senadores para veículos semelhantes. Procurado, o senador não respondeu aos questionamentos do blog.

Também de Roraima, o senador Messias de Jesus (Republicanos) vinha contratando serviços na Lemans Locação, em Boa Vista, no valor total de RR 19 mil. As notas fiscais mostram agora que ele aluga um Jeep Compass por R$ 8,5 mil mensais e uma Camionete S-10 por R$ 10,5 mil. Questionado pelo blog, o senador não explicou a necessidade de locação desses carros.

domingo, 29 de setembro de 2019

Idosos são alvo de abusos de bancos e planos de saúde


Empréstimos não consentidos, fraudes e reajustes abusivos estão entre as reclamações mais frequentes

De tirar o sono. A aposentada Maria Audete recorreu à Justiça para tentar reduzir a mensalidade do plano de saúde de R$ 3.213: estimativa de redução para R$ 1.800

Na terça-feira, dia 1º de outubro, é celebrado o Dia Internacional do Idoso. No Brasil, no entanto, quem já passou dos 60 anos parece não ter muito a comemorar. A Defensoria Pública e o Ministério Público do Rio acumulam relatos de abusos financeiros contra idosos e queixas de aumentos que podem ser vistos como expulsórios dos planos de saúde. Sem falar nos golpes que têm consumidores seniores como alvo preferencial. Aos 64 anos, Maria Benedita dos Santos tem um terço da sua pensão comprometida com consignados, a maioria dos quais ela não reconhece ter contratado. Há dívidas com seis bancos. Super endividada, ela recorreu à Defensoria, que está fazendo um inventário de seus débitos. —Esses empréstimos estão comendo uma boa parte dos meus rendimentos. Todo mês vêm vários descontos que não reconheço —conta Benedita. Segundo Patrícia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria, as fraudes em consignados são as mais frequentemente relatadas pelos idosos: — Fora golpes que usam os dados do consumidor para pegar empréstimo em benefício de terceiros, há muitos casos em que o idoso tem um valor depositado em sua conta sem que tenha sido consultado. Isso foi exatamente o que aconteceu com a aposentada Maria Angélica Marques, de 68 anos, que há um ano e meio tenta cancelar um consignado não solicitado com o Banco Pan. Depois de reclamar ao banco, sem ter solução, fez um boletim de ocorrência e enviou carta à instituição. Nada se resolveu. —Quando pedi o contrato, constatei que era falsificado. Forjaram minha assinatura e colocaram outro número de telefone e endereço. E o pior, incluíram meu nome no SPC e vivem me cobrando— conta Maria Angélica. O Pan disse estar em contato com a cliente para resolver o caso o mais rápido possível.

Coordenadora do Movimento Longevidade Brasil, Carlota Esteves diz que o sistema bancário é de fato o maior alvo de reclamações dos idosos, que sofrem assédio das instituições: — Muitas vezes um idoso acaba aceitando contratar um serviço para agradar ao gerente “bonzinho”. Quanto mais o idoso se isola do convívio social, mais vulnerável se torna. Carlos Batalha, educador financeiro e membro do Conselho Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor, diz que já viu absurdos como a venda de uma previdência privada para uma senhora de 75 anos.

— É preciso entender que há um declínio cognitivo com a idade, e o isolamento social, a exclusão digital, tudo isso aumenta a vulnerabilidade. Não se pode culpar o idoso por cair em golpes —diz. A situação é tão complexa que, na última semana, foi lançado o Sistema de Autorregulação de Operações de Empréstimo Pessoal e Cartão de Crédito Consignado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e pela Associação Brasileira de Bancos (ABBC). As regras, que entram em vigor em janeiro, preveem o bloqueio de ligações para oferta de consignado e tornam mais clara a possibilidade de cancelamento do empréstimo, em sete dias, caso o contrato seja firmado a distância, como prevê o Código de Defesa do Consumidor. No caso de Maria Audete Vilela, de 80 anos, o que afaz perde roso noé a mensalidade do plano de saúde de R$ 3.213. Sem conseguir acordo com a Uni me d-Rio via Procon, ela recorreu à Justiça: —Estou há 29 anos no plano, e agora sinto que querem me expulsar—reclama. O advogado Thiago Loyola, professor de Direito do consumidor da Universidade Candido Mendes, conta que a aposentada venceu o processo em primeira instância e estima que a mensalidade deve cair para cerca de R$ 1.800: —O Judiciário tem se mostrado sensível a esses casos e expurgado as cláusulas que preveem reajustes abusivos. A Unimed-Rio disse não comentar ações judiciais.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Greta, preservacionistas e ecochatos em geral


João Luiz Mauad

Escrevi ontem um texto sobre o discurso da menina Greta Thumberg na ONU, o qual o Instituto Liberal republicou em sua página. Logo no primeiro comentário, um leitor do IL escreveu o seguinte, em defesa de Greta: “A grande questão é que ainda não compreendemos que a terra é um organismo vivo e que nós seres humanos estamos causando o colapso desse organismo em nome de uma pretensa melhoria na qualidade de vida… Em pleno século XXI não cabe mais pensar em ações que não estejam em comunhão com o desenvolvimento sustentável e o legado ambiental que deixaremos para as futuras gerações. Neste ponto concordo com a ativista Greta! Cada um deve fazer a sua parte, pois assim contribuiremos para a preservação da nossa única casa.”

É um bom resumo do mantra preservacionista, segundo o qual, por vivermos num mundo com cada vez menos recursos naturais, precisamos mudar gradualmente a maneira como vivemos, adaptando nossa economia e nossos estilos de vida a uma nova realidade de escassez, a fim de que as próximas gerações tenham garantida a sua cota de recursos finitos que a natureza disponibiliza.

No início do Século XIX, quando a Terra era habitada por apenas 1 bilhão de pessoas, Thomas Malthus previu que a população mundial cresceria em proporções geométricas e que a produção de alimentos e outros recursos não conseguiria acompanhá-la. “A morte prematura visitará a humanidade em breve, que sucumbirá em face da escassez de alimentos, das epidemias, das pestes e de outras pragas”, dizia ele.

Atualmente, vivem no mundo sete vezes mais seres humanos que na época do Reverendo Malthus. Depois da Revolução Industrial e do advento do capitalismo, a humanidade progrediu de maneira excepcional, aprendeu a explorar os recursos naturais de forma muito mais eficiente, a produzir alimentos e distribuí-los como nunca antes na História. E, ao contrário do que sustentam os modernos “malthusianos”, mesmo com todo o progresso econômico havido nos últimos duzentos anos – e graças ao extraordinário avanço tecnológico -, as reservas provadas da grande maioria dos recursos minerais, como petróleo, minério de ferro, carvão e muitos outros só fizeram aumentar.

Apesar de todas as evidências em contrário, entretanto, os discípulos de Malthus não esmorecem. Em 1968, quando a população mundial era de 3,5 bilhões, o afamado ecologista Paul Ehrlich, um emérito colecionador de prêmios e comendas científicas, escreveu um livro (The Population Bomb) onde previu que, como resultado da superpopulação, centenas de milhões de pessoas morreriam de fome nas próximas décadas. No primeiro Earth Day, em 1970, ele diagnosticou que “em dez anos, toda a vida animal marinha estará extinta. Grandes áreas costeiras terão que ser evacuadas por causa do mau cheiro dos peixes mortos.” Em um discurso de 1971, ele previu que “até o ano de 2000 o Reino Unido será simplesmente um pequeno grupo de ilhas empobrecidas, habitadas por cerca de 70 milhões de famintos.”

De lá para cá, a população mundial quase dobrou, e, embora ainda haja problemas sociais graves a resolver, principalmente ligados à pobreza, as previsões alarmistas de Ehrlich jamais se concretizaram. Pelo contrário, a proporção de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza tem diminuído bastante, desde 1970.

Aliás, por falar em Paul Ehrlich, ficou famosa uma aposta feita entre este famoso ambientalista e o economista Julian Simon. Ehrlich alardeava que, num mundo finito e de população crescente, os recursos seriam cada vez mais escassos e, consequentemente, seus preços cada vez maiores. Em 1980, Simon propôs a Ehrlich a seguinte aposta: Ehrlich escolheria cinco quaisquer produtos naturais para que tivessem seus preços acompanhados por 10 anos. Caso, no final deste período, os preços fossem maiores que em 1980 (corrigidos pela inflação), Ehrlich venceria, caso fossem menores, a vitória seria de Simon.

Ehrlich escolheu cinco metais: cromo, cobre, níquel, estanho e tungstênio. Apostaram então $200 em cada um dos metais, num total de $1.000, usando os preços de 29 de setembro de 1980 como referência. Durante a década de 80, o crescimento populacional do mundo foi de aproximadamente 800 milhões de pessoas – o maior aumento nominal em uma só década da História. Apesar disso, em setembro de 1990, os preços de todos os metais escolhidos por Ehrlich, sem exceção alguma, haviam caído, em alguns casos significativamente. O estanho, por exemplo, era cotado a $8,72 por onça em 1980, contra $3,70 em 1990.

Em janeiro de 2011, mais um “malthusiano” perdeu uma aposta. Cinco anos antes, John Tierney leu um artigo de Matthew R. Simmons na The New York Times Magazine onde este vaticinava que o preço do barril de petróleo, então na casa dos $65, triplicaria nos cinco anos seguintes e passaria dos $200 durante o ano de 2010. Tierney apostou no contrário – e faturou uma grana fácil.

Por que os malthusianos perdem suas apostas? Porque enxergam o mundo e a economia de forma estática, desconsideram a criatividade humana e o progresso tecnológico.

Embora a teoria da insustentabilidade tenha lá seu sopro de lógica, ela está muito longe da realidade. O economista George Reisman refuta categoricamente a tese em seu livro “Capitalism”, concluindo que, de fato, o mundo nunca esteve tão abarrotado de recursos naturais como agora, malgrado o crescimento exponencial do consumo humano nos últimos duzentos anos. Parece um paradoxo? Vejamos.

A massa da Terra é feita de elementos químicos. Seu núcleo, por exemplo, é formado basicamente de milhões de metros cúbicos de ferro e níquel. Os oceanos e a atmosfera são compostos de incalculáveis quantidades de oxigênio, hidrogênio, nitrogênio e carbono, além de menores quantidades de outros elementos, cada um trazendo consigo inúmeras utilidades, algumas já conhecidas e outras que a ciência irá algum dia descobrir. O petróleo, para começar pelo exemplo mais óbvio, está sob os nossos pés há milhões de anos, mas seu aproveitamento econômico teve início somente durante a segunda metade do Século XIX. O alumínio, o rádio e o urânio, por seu turno, só tiveram serventia ao ser humano de cem anos para cá. Já o emprego industrial das fibras de carbono e do silício aconteceu apenas nas últimas décadas.

O problema não é de escassez intrínseca. Tecnicamente a oferta de recursos pode ser descrita como finita, mas, para todos os efeitos práticos, é infinita, não constituindo qualquer obstáculo para a atividade econômica. O que precisamos é conhecer quais diferentes elementos e combinações de elementos nos são úteis, chegar até eles e empregá-los para a satisfação das nossas necessidades. Em resumo, os únicos limites efetivos para a obtenção das substâncias economicamente utilizáveis são o desenvolvimento científico e tecnológico, bem como a quantidade e qualidade dos equipamentos (capital) disponíveis para esse fim.

A sustentabilidade está vinculada não só ao descobrimento de utilidades para elementos que previamente não possuíam qualquer aplicação prática, ou de novas serventias para aqueles que já possuíam usos conhecidos. Ela se dá também, senão principalmente, pelos avanços que facilitam o nosso acesso a estes elementos. Graças a tais progressos, a quantidade de recursos naturais economicamente aproveitáveis é, hoje em dia, incomparavelmente maior do que era no início da Revolução Industrial.

Praticamente não existem limites para os avanços futuros. O hidrogênio, elemento mais abundante na natureza, pode converter-se, brevemente, em fonte de energia economicamente viável e limpa. Além disso, a energia atômica, os raios laser e os sistemas de detecção por satélites, entre outras tecnologias de ponta, abrem novas e ilimitadas possibilidades de incrementar a oferta de recursos naturais. O que precisamos é descobrir como utilizá-los e reduzir os custos de sua extração, sempre evitando ao máximo agredir o meio ambiente em volta.

Entretanto, se por um lado a natureza coloca à nossa disposição um volume utilizável de matéria e energia que, para todos os efeitos práticos, pode ser considerado infinito, por outro ela disponibiliza pouquíssimos desses elementos na forma de riqueza. O que transforma em bem de uso a maior parte daquilo que a natureza oferece são o trabalho, a inteligência e a razão humanos, os recursos econômicos mais importantes que a natureza colocou à nossa disposição.

A solução, portanto, não está em restringir o consumo, mas em motivar as pessoas para o trabalho e o desenvolvimento tecnológico, algo só possível em sociedades onde prevalecem a liberdade econômica e, fundamentalmente, o direito de propriedade. Tudo de que precisamos é mais capitalismo, único modelo em que as pessoas criativas, engenhosas e diligentes tendem a dedicar-se com afinco à ciência, à pesquisa e aos negócios, pois sabem que o resultado de seus esforços e investimentos reverterá em seu próprio benefício.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Já era hora de uma voz de peso, como a brasileira, se engajar na desconstrução do discurso militante que ataca a vida e a família parasitando o sistema da ONU


Editorial da Gazeta do Povo

Depois de participar do Fórum Econômico Mundial, na cidade suíça de Davos, em janeiro, o presidente Jair Bolsonaro voltou a falar ao mundo na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – evento no qual, tradicionalmente, o primeiro chefe de Estado a falar é o brasileiro. Por mais que as palavras mais aguardadas de Bolsonaro fossem aquelas sobre a Amazônia – dada a repercussão internacional das recentes queimadas na região –, o presidente não se resumiu à questão ambiental. Fez um discurso sólido, de envergadura, posicionando-se de maneira firme e crítica, embora respeitosa, sobre muitos outros temas que lhe são caros e descrevendo a nova postura que o Brasil está assumindo no cenário internacional, nos campos político, econômico e moral.

Bolsonaro abordou alguns temas mais consensuais, como a promoção da democracia no continente americano. O presidente foi duro com o ditador Nicolás Maduro e deixou claro que o caso venezuelano não é de mera “crise econômica”, mas da aplicação fiel das ideologias de esquerda. “O socialismo está dando certo na Venezuela: todos estão pobres e sem liberdade”, disse Bolsonaro, lembrando o destino inevitável de toda nação onde os princípios socialistas são aplicados. O presidente também citou o programa Mais Médicos, desenhado especialmente para financiar a ditadura cubana, com a complacência de órgãos internacionais. A menção à ONU, aqui, não foi nem de longe gratuita, pois a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), parte da triangulação que envolvia também o governo Dilma e o governo cubano, é parte do sistema das Nações Unidas.

E, assim como havia feito em Davos, Bolsonaro fez questão de mostrar o Brasil como um país que deseja se tornar, finalmente, um local atrativo para se fazer negócios. “O livre mercado, as concessões e as privatizações já se fazem presentes hoje no Brasil”, afirmou, demonstrando a iniciativa de aprofundar o enxugamento do Estado e a desburocratização da atividade empreendedora iniciada com a Lei de Liberdade Econômica. Bolsonaro também mencionou o desejo brasileiro de maior inserção internacional, citando os recentes acordos comerciais com a União Europeia e o Efta, e a intenção de aderir à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Os trechos mais aguardados do discurso, no entanto, eram aqueles referentes à Amazônia. Bolsonaro respondeu aos que o descreveram como um líder que pouco se importa com o meio ambiente, defendendo o “compromisso solene com a preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável”, e mostrando sua disposição em aceitar a cooperação internacional sempre que ela não signifique ameaças à soberania internacional e tentativas de “neocolonizar” a região, em uma referência velada ma non troppo ao presidente francês, Emmanuel Macron, que, no auge da crise das queimadas, havia falado na internacionalização da Amazônia.

Mas o coração da fala de Bolsonaro não estava nem na Venezuela, nem no liberalismo econômico, nem na questão ambiental. No fim do ano passado, afirmamos que o que se esperava de um país do porte do Brasil era que não se isolasse do sistema internacional, mas usasse sua influência para que os organismos internacionais promovessem a dignidade de cada ser humano, desde a concepção até a morte natural. E, com suas palavras na Assembleia Geral, Bolsonaro mostrou que o país abraçará este desafio e pretende ser, nos fóruns multilaterais, um defensor ferrenho da vida e da família e a voz das vítimas de perseguição religiosa.

No fim do discurso, o presidente afirmou que o Brasil está disposto a “assumir as responsabilidades que nos cabem no sistema internacional” e exortou a ONU a “derrotar o ambiente materialista e ideológico que compromete alguns princípios básicos da dignidade humana”. Esta não é tarefa simples: muitas das imposições ideológicas daninhas que Bolsonaro mencionou em seu discurso, como a ideologia de gênero e o desrespeito à vida e à família, encontram guarida dentro do próprio sistema da ONU, usado por militantes para impor seu ideário, especialmente sobre países com menos capacidade de resistir à pressão. Enquanto nos anos 90 a questão populacional e a meritória defesa dos direitos da mulher eram pretexto para se avançar uma agenda de “direitos reprodutivos”, termo eufemístico para a promoção do aborto e outras práticas contrárias à dignidade humana, agora até as mudanças climáticas têm sido instrumentalizadas com essa finalidade. Já era hora de uma voz de peso, como a brasileira, se engajar na desconstrução desse discurso militante.

O sistema internacional do pós-Segunda Guerra nasceu tendo como prioridades a cooperação entre as nações, a promoção da paz e o combate à pobreza. Com seu discurso, Bolsonaro lembrou ao mundo todo essa verdade simples e desmascarou os “engenheiros sociais” que parasitam a ONU e suas entidades. No passado, o petismo usou a expressão “ativa e altiva” para descrever uma diplomacia que não passava de camaradagem com ditaduras e silêncio (quando não conivência) diante das ameaças à dignidade humana. A verdadeira atividade e altivez, no entanto, está na coragem de defender a vida de todos os seres humanos e a célula básica da sociedade.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Itaipu - a usina de mordomias do STF


CRUSOÉ

Hotéis cinco estrelas, voos em classe executiva, férias esticadas e palestras remuneradas.

Documentos obtidos por Crusoé mostram como a “hidrelétrica de Itaipu” virou uma generosa fonte de recursos para bancar a doce vida de altas autoridades do Judiciário em eventos pelo mundo

Itaipu, ou ““a pedra que canta”, em tupi, era o nome do ponto do rio Paraná, na Tríplice Fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, que os ditadores brasileiros e paraguaios escolheram para construir conjuntamente nos anos 1970 aquela que seria, até o início deste século, a maior hidrelétrica do mundo.

Era, antes de tudo, um projeto de desenvolvimento regional.

Mas, desde a inauguração da usina, em 1982, os milhões de megawatts gerados sempre despertaram dos dois lados da fronteira a cobiça da classe política, interessada em seu polpudo orçamento.

São cerca de 15 bilhões de reais disponíveis por ano, oriundos da venda da energia gerada em conjunto pela estatal brasileira Eletrobras e por sua congênere paraguaia, a Ande.

Dinheiro que, por ter origem em uma companhia binacional, passa ao largo do controle de órgãos como o Tribunal de Contas da União.

O que não se sabia, e que Crusoé revela nesta edição, é que a caixa-preta de Itaipu não “servia apenas aos políticos,” mas, com alguma diferença, também a “altas autoridades do Judiciário.” Documentos obtidos pela reportagem mostram que a hidrelétrica funcionou, durante anos, como um generoso caixa que bancava mordomias e viagens de “ministros do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, de tribunais regionais federais e de tribunais estaduais.”

Desde 2013, a companhia desembolsou pelo menos “16 milhões de reais para eventos jurídicos diversos.”

O dinheiro que saía dos cofres de Itaipu custeou dezenas e dezenas de passagens em classe executiva para os Estados Unidos e a Europa e hospedagem em hotéis estrelados.

Também foi usado para pagar palestras proferidas por magistrados, entre eles ministros do Supremo Tribunal Federal.

Tudo era viabilizado por convênios firmados por Itaipu com entidades que pediam dinheiro com a justificativa de difundir conhecimento jurídico.

A companhia, então, repassava as verbas a fundo perdido. A lista dos magistrados que de alguma forma tiveram despesas custeadas pelos cofres de Itaipu inclui “seis dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal: o atual presidente da corte, José Antonio Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski.”

Também aparecem na lista o “presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, e outros 18 ministros da corte.”

O rol de juízes de primeira instância e desembargadores é ainda mais extenso.

Há ainda outras personalidades que, junto com os magistrados, foram convidadas para participar dos tais eventos.

É o caso do presidente da OAB, “Felipe Santa Cruz, o atual secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, do MDB, e o senador petista Jaques Wagner.”

Eis alguns dos casos mais emblemáticos que os documentos revelam:

“TOUR ESTENDIDO”

No ano passado, o ministro “Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, viajou com sua mulher,” Yara de Abreu Lewandowski, para Lisboa. Era sexta-feira, 29 de junho, último dia antes do recesso forense de meio de ano.

Em Portugal, o casal visitou outras cidades até que, em 4 de julho, seguiu para Madri.Três dias depois, eles seguiram para Londres em 7 de julho.

Foi de lá que partiu o voo do casal de volta para o Brasil, em 21 de julho.

Todas as passagens foram bancadas com recursos de Itaipu, sob o argumento de patrocinar o “Seminário de Verão realizado na Universidade de Coimbra,” cidade localizada a 200 quilômetros de Lisboa.

O evento foi realizado nos dias 2 e 3 de julho. Durou apenas dois dias, portanto.

Mas, sim, é exatamente o que você entendeu: a verba da binacional pagou todo o restante do “périplo europeu de Lewandowski e de sua senhora.”

“O seminário de Coimbra,” como mostrou Crusoé há um mês, é organizado anualmente pelo desconhecido Instituto de Pesquisas e Estudos Jurídicos Avançados, o Ipeja, e ocorre sempre durante as férias do Judiciário.

A entidade não deixa claro como funcionam os patrocínios de seus eventos nem informa que tipo de despesas costuma bancar – algo que, agora, os documentos de Itaipu trazem à luz.

Na edição de 2017, mostram as notas, “João Otávio de Noronha, o presidente do STJ,” fez algo semelhante. Voou para o evento em Lisboa, que naquele ano tinha três dias, mas depois foi a Berlim, Roma e Madri. O tour durou 25 dias.

As passagens (inclusive as dos trechos internos na Europa) do próprio Noronha, da mulher dele, Denimar, e da filha, Anna Carolina, foram custeadas por Itaipu.

O papelório obtido por Crusoé mostra que “Itaipu gastou nada menos que 800 mil reais” com passagens executivas de magistrados e seus parentes, além de hospedagem e traslado para os convidados em três edições do seminário de verão de Coimbra – “em 2016, 2017 e 2018.”

Mais do que o valor, as notas fiscais e recibos emitidos pelo Ipeja e repassados à companhia a título de prestação de contas confirmam que, via de regra, as excelências convidadas “seguem o padrão de Lewandowski” e aproveitam para esticar a estadia na Europa, com direito às passagens das viagens que realizam internamente nas semanas seguintes, sem nenhuma relação com o evento patrocinado.

“A pretexto de apoiar “debates de temas relevantes” nas áreas de ciências jurídicas e sociais e pesquisa científica” na Universidade de Coimbra, nos últimos três anos Itaipu bancou “viagens de ministros e seus familiares para o Reino Unido, França, Irlanda, Espanha, Itália e Alemanha.”

Até “o atual presidente do STF, ministro Dias Toffoli,” figurou no ano passado como um dos agraciados com passagens executivas para a capital portuguesa.

Ele deixou Brasília em 30 de junho rumo a Lisboa e de lá seguiu para Coimbra, onde participou do seminário em 2 e 3 de julho. Sua volta para o Brasil, partindo de Lisboa, foi só em 21 de julho.

Em alguns casos, a prestação de contas mostra que os ministros aproveitavam para levar seus filhos para o passeio.

Uma das presenças mais frequentes no evento português, o também ministro do Supremo “Marco Aurélio Mello fez isso em 2017.”

Na ocasião, ele viajou com seu filho, “Eduardo Affonso Mello,” auditor do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, o STJD.

Os dois deixaram o Brasil rumo a Portugal no dia 30 de junho e só retornaram em 10 de julho.

“DE NOVO, PATROCÍNIO OCULTO”

Além do Ipeja, outra entidade já conhecida e que recentemente caiu no radar da Lava Jato figura como importante “parceira de Itaipu para a realização de eventos com ministros de tribunais superiores pelo mundo.”

Trata-se da “FGV Projetos,” o braço de assessoria técnica da prestigiada fundação com sede no Rio de Janeiro que chegou a ser alvo de um dos desdobramentos da Lava Jato fluminense por suspeita de “elaborar pareceres para o governo de Sérgio Cabral que ajudavam a justificar os acertos ilícitos” entre empresas e o estado.

Nos documentos obtidos por Crusoé, a FGV Projetos foi a instituição que mais conseguiu captar recursos para eventos jurídicos, por meio de dois convênios que “somam 4,9 milhões de reais” e foram utilizados para a produção de “nove seminários e palestras” e para a elaboração de um estudo sobre a imagem do Judiciário.

A prestação de contas mostra que, a exemplo do “convênio com o Ipeja, há casos de ministros de tribunais superiores” que ganharam passagens para o exterior com parentes.

Também há passagens áreas para destinos sem relação nenhuma com os eventos que foram objeto do patrocínio.

De novo aqui aparece o “atual presidente do STJ, João Otávio de Noronha.”

Ele participou da sétima edição do Fórum Jurídico de Lisboa, realizado dos dias 22 a 24 de abril deste ano na capital portuguesa.

O evento, “organizado pelo IDP, o instituto de direito do qual o ministro Gilmar Mendes é sócio,” era mais um com patrocínio de Itaipu, embora a logomarca da companhia não estivesse estampada no material de divulgação.

“A edição de 2019 do chamado “fórum do Gilmar” foi colada com a Semana Santa, feriado no qual tanto o Supremo quanto o STJ” emendaram do dia 17, uma sexta-feira, até 21 de abril, um domingo.

Um dos convidados, João Otávio Noronha foi para Lisboa quatro dias antes do início do evento, em 18 de abril. E, mesmo depois de encerrado o fórum, de novo aproveitou para ampliar seu roteiro.

“Sempre com passagens pagas por Itaipu, de acordo com os documentos apresentados pela FGV” na prestação de contas.

No dia 25, o presidente do STJ seguiu de Lisboa para Paris, onde ficou até 1º de maio.

Por justiça, é importante dizer: Noronha aproveitou a viagem para compromissos profissionais.

Em Paris, ele assinou um acordo de cooperação com o presidente da Corte de Cassação da França, Bertrand Louvel. Isso foi em 29 de abril.

“No mesmo dia, Noronha participou, junto com outros ministros do STJ” e magistrados franceses, de um seminário sobre direito ambiental.

Nada, porém, tinha relação com Itaipu, a fonte pagadora das passagens daquele seu périplo europeu.

“O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, por sua vez, foi outro que aproveitou o evento do colega Gilmar em Lisboa” para passar o feriado da Semana Santa na Europa com a mulher.

Também com passagens pagas por Itaipu, os dois foram para a capital portuguesa em 14 de abril, oito dias antes do início do fórum, e retornaram no dia 22, depois de o ministro proferir uma palestra no primeiro dia do evento sobre “reformas na Justiça”.

“Gilmar, o anfitrião, também viajou às expensas de Itaipu.” Ficou em Lisboa de 19 a 28 de abril.

“O evento do IDP , que tem Gilmar como coordenador centífico, é organizado em parceria com a FGV Projetos.”

Antes, era o próprio instituto do ministro que recebia diretamente os patrocínios “(só de Itaipu, desde 2016, o IDP recebeu 810 mil reais),” como Crusoé já mostrou em reportagem.

Agora, é a FGV quem cuida disso – e por essa razão foi ela, a fundação, que recebeu os recursos da binacional para a edição deste ano do evento.

Para esse mesmo evento também foram convidados “à custa do patrocínio de Itaipu o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, o senador Jaques Wagner, o ministro do Tribunal de Contas da União Bruno Dantas, o ex-diretor da Polícia Federal Leandro Daiello” e o desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região João Pedro Gebran Neto.

“Santa Cruz, Ibaneis, Wagner, Dantas e Gebran tiveram as despesas de hospedagem custeadas pela binacional.”

Foram alojados no luxuoso Tivoli, um dos hotéis mais exclusivos da capital portuguesa. Daiello teve as passagens pagas pela companhia.

“PALESTRAS REMUNERADAS”

Não foram só passagens e eventos que “Itaipu bancou para as excelências.”

A companhia também foi responsável pelo pagamento, via FGV, de “um cachê de 20 mil reais ao ministro do STF Luiz Fux” por sua participação no seminário “A Reforma da Previdência”, realizado no centro cultural da fundação, no Rio, em março deste ano.

A palestra, intitulada “Contornos constitucionais do sistema previdenciário brasileiro”, foi anunciada pela entidade como a mais importante do seminário, que “contou ainda com a presença dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Tribunal de Contas da União, José Múcio Monteiro.”

Na prestação de contas da FGV não consta que Maia ou José Múcio tenham cobrado para falar.

“Três ministros do TCU,” Bruno Dantas, Benjamin Zymler e Weder Oliveira, também receberam por palestras no evento.

Só que, no caso deles, o crédito não chegou exatamente pela pessoa física.

Foi por meio de empresas que eles abriram exatamente para essa finalidade. “Zymler recebeu 20 mil.”

“Os outros dois ganharam 15 mil” pela participação no seminário.

A prestação de contas apresentada pela FGV Projetos a Itaipu inclui ainda uma “despesa de 410 mil reais” para a elaboração de um “sumário executivo” para uma pesquisa destinada a traçar um “diagnóstico da imagem do Poder Judiciário.”

A pesquisa seria feita, em seguida, pelo Ipespe, instituto do cientista político Antônio Lavareda, com sede em Recife.

Itaipu foi informada de que “o pedido” para que a pesquisa fosse realizada partiu do “presidente do STF, Dias Toffoli.”

O pagamento foi feito em maio deste ano.

Os documentos das prestações de contas também jogam luz sobre detalhes da organização dos eventos jurídicos.

No ano passado, por exemplo, a “FGV Projetos organizou um seminário em Nova York” para discutir direito e economia. O evento foi realizado na Universidade Columbia.

Em seu site, a entidade anunciou que “o seminário tinha o “apoio” da tradicional instituição de ensino americana.” Podia até ter.

Mas não saiu de graça, diferentemente do que a propalada parceria com a instituição americana poderia fazer crer: Columbia cobrou “7 mil dólares para alugar um de seus auditórios” para o palavrório dos brasileiros.

Essa conta também foi espetada nos cofres de Itaipu.

Já a Brazilian American Chamber of Commerce, também anunciada como apoiadora do evento, “recebeu 35 mil dólares.”

Há, no material, casos em que “a patrocinadora Itaipu não tinha sua marca exibida nos eventos.”

Isso aconteceu na edição de 2017 do evento de Coimbra, por exemplo.

Para explicar a razão pela qual a marca da binacional não havia sido exposta no pórtico de entrada do evento e na “newsletter da Universidade de Coimbra,” os organizadores mandaram um documento informando que foi ““por problemas de natureza técnica” com o prestador de serviços que teve seus arquivos danificados”.

“LUXO DE GRAÇA”

Em meio à documentação das prestações de contas, uma outra fatura apresentada pela FGV Projetos chama a atenção.

“Trata-se do pagamento de 211 mil reais feito em 10 de janeiro deste ano por Itaipu” referentes a reservas em um hotel em Nova York para quinze pessoas, em sua maioria autoridades da cúpula do Judiciário brasileiro, como o “presidente do STF e seu colega Gilmar Mendes, além do presidente do STJ e outros três ministros da corte.”

O local reservado para as excelências? O luxuoso Hotel Plaza Athénée, “encravado no coração de Manhattan.”

“As reservas de Toffoli, Mendes, Noronha e mais treze pessoas” iam de 27 de novembro a 1º de dezembro de 2018 e apareciam relacionadas na fatura ao “2º Seminário Direito e Economia, realizado na cidade americana pela FGV.”

O problema é que o evento, como Crusoé mostrou em reportagem publicada no ano passado, foi realizado no começo do mês. A FGV não esclareceu a divergência de datas.

Também não explicou se essas reservas se referem a um segundo evento.

No período que consta dos documentos apresentados na “prestação de contas da GV, Gilmar e Dias Toffoli estavam no Brasil.”

“Só as passagens de ida e volta de Toffoli” que a fundação anexou à prestação de contas somam 27 mil reais.

Em outros eventos, as entidades não deixam claro, “nem mesmo na prestação de contas, quem são as autoridades que estão viajando” e ganhando hospedagens com dinheiro público.

“A FGV Projetos e o Ipeja” utilizam sempre agências de viagens que, muitas vezes, cobram as despesas de várias passagens e hospedagens em conjunto por meio de boletos que não detalham quem são os beneficiários das reservas.

“Em 2016 a FGV Projetos” pagou, em duas parcelas, faturas referentes à reserva de 40 quartos no Hotel Tryp Coimbra para um seminário realizado naquele ano na cidade, mas não detalhou quem se hospedaria.

Ao apresentar a fatura do hotel, porém, o estabelecimento português entregou que uma das reservas faturadas dizia respeito a uma ““noite extra de Gilmar Mendes”.”

“O AFILHADO GENEROSO”

As mordomias eram facilitadas porque as excelências convidadas – e também as entidades que as convidavam — “tinham dentro de Itaipu um aliado.”

Trata-se de Cezar Ziliotto, nomeado em 2013 para o cargo de diretor-jurídico da binacional.

“A nomeação foi assinada pela então presidente Dilma Rousseff.”

“Ziliotto chegou lá a partir de uma indicação do ex-governador do Paraná Roberto Requião em parceria com o então deputado federal Ratinho Júnior,” atual governador do estado.

Percebeu o poder da caneta que tinha em mãos e, em nome da divulgação da imagem da hidrelétrica no universo jurídico, começou a fechar convênios com as entidades e a patrocinar eventos e mais eventos.

Sua boa vontade nos convênios com entidades jurídicas o aproximou, primeiro, de “Gilmar Mendes, dono do IDP.”

Depois, ele ficou próximo também de “Dias Toffoli. Os dois ministros, Gilmar principalmente,” acabaram transformando-o numa espécie de afilhado político em Brasília.

Quando Michel Temer chegou ao poder, em 2016, houve uma corrida pelo cargo, “mas Ziliotto foi mantido.”

No Planalto, a decisão de deixá-lo na diretoria de Itaipu foi atribuída a um pedido de Gilmar.

Em janeiro deste ano, logo após tomar posse, Jair Bolsonaro decidiu militarizar a gestão de Itaipu.

“Pôs no comando da binacional o general Joaquim Silva e Luna. A maior parte da diretoria foi trocada.”

Os convênios com as entidades jurídicas foram rescindidos. Faltava demitir quem os assinava.

Luna, porém, encontrou dificuldades para demitir Ziliotto.

“O esforço de Gilmar e Toffoli para mantê-lo foi grande.” Ziliotto resistiu o quanto pôde.

Até que um cartapácio “contendo detalhes da farra dos patrocínios na diretoria jurídica chegou ao Palácio do Planalto.”

Foi o suficiente para que sua exoneração, antes complicada, finalmente saísse.

Como informou o Diário de Crusoé, a decisão foi “publicada na última terça-feira, dia 7, no Diário Oficial da União.”

ACESSO FACILITADO

A estratégia da diretoria jurídica de Itaipu sempre foi se aproximar das cortes para ter um bom trânsito nos gabinetes de seus ministros.

Muitas das excelências que participaram nos últimos anos de eventos patrocinados pela estatal e, por isso, “tiveram despesas pagas com dinheiro de seus cofres, têm sob sua responsabilidade processos de interesse da companhia.”

De 2015 para cá, só no STF foram protocoladas 14 ações que têm Itaipu como parte.

Três deles tratam de ações de reintegração de posse movidas pela binacional contra “famílias que se instalaram na faixa de preservação do reservatório da hidrelétrica e estão sob análise de Dias Toffoli.”

“Já Marco Aurélio Mello,” que também viajou à custa da empresa, tem sob sua “relatoria uma ação civil que discute se Itaipu pode contratar funcionários sem realizar concurso público.”

O processo se arrasta na corte desde 2012.

“Cezar Ziliotto, o diretor que assinava os convênios de patrocínios,” aparece entre os advogados de Itaipu na ação.

No STJ, só neste ano chegaram quatro processos que têm Itaipu como parte.

Três foram enviados para gabinetes de ministros que também já foram a eventos pagos pela empresa.

Além de beneficiar “institutos famosos e próximos do poder togado em Brasília,” os generosos recursos de Itaipu também eram destinados a entidades menores.

Era raro, mas acontecia de algumas dessas organizações de menor porte e menos prestígio terem prestações de contas serem questionadas pela área técnica da companhia – algo incomum entre as grandes.

Da Amapar, a associação do juízes do Paraná, Itaipu chegou a cobrar informações sobre inconsistências detectadas nos documentos enviados para justificar os gastos em uma série de eventos realizada entre 2017 e 2018 e cujo encerramento ocorreu no luxuoso Mabu Thermas Grand Resort, em Foz do Iguaçu.

Nesse caso, os auditores de Itaipu quiseram saber os nomes dos beneficiários de passagens aéreas e de hospedagens no complexo.

A entidade acabou informando quem eram os passageiros — os “ministros do STJ Luis Felipe Salomão, Paulo Ribeiro e Ricardo Cueva” estavam entre eles –, mas deixou claro o incômodo.

“Destacamos que a exposição de valores individuais viola o direito à individualidade garantido pela Constituição Federal.” A preocupação tinha razão de ser.

Nessa mesma prestação de contas, havia despesas consideradas incompatíveis com o patrocínio, especialmente bebidas alcoólicas: Aperol Spritz, Dry Martini, vinho, cerveja e chopp.

No rol de gastos que haviam sido incluídos entre as despesas pagas com dinheiro da companhia havia até mesmo um frasco de desodorante.

A associação não gostou de ser cobrada:

“Entendemos que todos os valores deveriam ser contabilizados como pagos”.

“‘INEXISTEM MORDOMIAS’”

Crusoé tentou ouvir todos os personagens citados nesta reportagem.

Cezar Ziliotto, o “ex-diretor-jurídico de Itaipu,” disse que não houve pagamento de mordomias para autoridades em sua gestão.

“Inexistem mordomias. Itaipu sempre teve uma política de incentivo à promoção de iniciativas culturais, sociais e jurídicas.

O investimento nesses projetos é positivo para a empresa e para a difusão do conhecimento”, afirmou.

Indagado sobre sua relação com Toffoli e Gilmar Mendes, ele respondeu:

“O responsável pela coordenação dos processos de Itaipu no Judiciário tem o dever de manter um bom relacionamento profissional e respeitoso com representantes de todo o sistema de justiça.

Pessoalmente, tenho respeito e admiração por todos os integrantes dos tribunais superiores”.

“O STF e STJ, para os quais foram enviados questionamentos” destinados aos ministros de ambas as cortes que aparecem como participantes dos eventos, não enviaram resposta.

Gebran Neto, do TRF-4, afirmou que não tinha conhecimento de quem eram os patrocinadores do evento de que participou, em Portugal.

A FGV Projetos, ao invés de responder as perguntas, enviou nota atacando os jornalistas de Crusoé.

““A FGV PROJETOS” repele, com veemência, as insinuações lançadas, que maculam sua imagem e, em ataque ao próprio Poder Judiciário brasileiro, colocam em dúvida a idoneidade de vários de seus membros”, diz o texto.

A nota diz ainda que os eventos realizados pela fundação “somente elevaram o conceito do Brasil no exterior”.