Ives Gandra da Silva Martins
Toda manhã, ao ler os jornais, hábito que os mais jovens
criticam como próprio da velhice, consumo minha dose de irritação com o
desenvolver dos acontecimentos e por ver que a periferia do que é relevante é
sempre a matéria de maior destaque nas manchetes jornalísticas.
Leia-se, por exemplo, o caso do ex-presidente Lula. Toda a
defesa daquele ex-mandatário concentra-se em ter, o julgador, conversado de
forma inapropriada com os promotores federais, o que, de rigor, não alterou o
amplo direito de defesa que lhe foi assegurado durante todo o processo nas
quatro instâncias. As provas, todavia, constantes dos autos, que serviram à
condenação nas quatro instâncias, não são objeto das manchetes, tendo-se,
inclusive, a impressão de que os diálogos criminosamente obtidos e conivente e
convenientemente veiculados, se verdadeiros, valeriam mais que o fato material
objeto da condenação. Como advogado há 61 anos, sempre entendi que a advocacia
não tem sido bem tratada por magistrados, imprensa e população, que não percebem
a importância do direito de defesa numa democracia.
No caso, todavia, o que menos se discute na imprensa é se
haveria ou não prova material condenatória, o que levou um juiz, três
desembargadores, cinco ministros do STJ e seis do STF a entender que haveria
crime na conduta do ex-presidente.
Outra das minhas irritações reside nas turbulências destes
primeiros meses. Aspectos positivos não têm repercussão na mídia, como o da
maior safra de grãos, o da entrada do capital estrangeiro na casa de quase US$ 100
bilhões, a existência de saldos altos na balança comercial, a inflação abaixo
da média estabelecida, a possibilidade de queda dos juros, o fato de as
reservas serem superiores a US$ 380 bilhões, o relatório favorável do FMI sobre
o estado das contas públicas, o sucesso nas programações de infraestrutura, a
assinatura de um acordo emperrado há 20 anos entre Mercosul e União Europeia, o
avanço e a liderança entre as nações na defesa dos valores familiares, a
manutenção do combate à corrupção, inclusive até no que demonstra, na linguagem
popular, ser pé quente, a vitória da seleção brasileira na Copa América, após
anos de insucesso internacional. Até a boicotada reforma previdenciária avança.
Reconheço que a equipe presidencial, sem o traquejo político
da anterior, está aprendendo a “andar de bicicleta andando”, mas a busca, da
imprensa, por desacertos em cada um dos menores incidentes, que ganham, assim,
proporções descomunais, parecem torná-los mais importantes do que alguns dos
aspectos relevantíssimos da evolução do país. De longe, para tais caçadores de
insucessos, vale mais o que vale menos e vale menos o que vale mais.
Começo a ficar intolerante com os que se alegram com o
fracasso do país e que se vangloriam em ver a nação afundar por força de suas,
quase sempre, infundadas críticas.
Outra das minhas irritações diz respeito à fantástica
cobertura que se dá ao crime cibernético. Um gangster digital invade a
privacidade das pessoas, regiamente financiado, utiliza-se do sigilo da fonte
para que um jornalista, a conta-gotas, vá revelando o produto de seu crime e
tal crime e tal parceiro do criminoso são alcandorados pelos que dizem que a
mídia vive das más notícias, pois as boas não vendem jornal. De tal maneira,
nenhuma cobertura se dá à investigação dos delinquentes da privacidade alheia.
Não compartilho da teoria de que os fins justificam os meios, pois gera uma
enorme insegurança jurídica, e o ideal de justiça, que é o desiderato maior do
Direito, fica pisoteado, transformando-se em uma briga mesquinha pelo poder
entre amigos e inimigos.
Tudo isso para um velho advogado de 84 anos gera
desconforto, pois, neste final de vida, percebo que o país terá ainda que
evoluir muito para viver a democracia que desde os bancos acadêmicos minha
turma almejava para o Brasil.
“The last but not the least”, impressiona-me a crítica
cerrada de determinada imprensa a ter o presidente declarado que não financiará
um filme que enaltece a prostituição como meio de vida, por entender que a
família é a base da sociedade e o filme ser corrosivo e deletério aos valores
da família. Ora, o que o presidente declarou é o que está na Constituição, ao
dizer que a família é a base da sociedade (artigo 226 caput) e que os meios de
comunicação deverão ser utilizados para a defesa dos valores éticos da família
e da sociedade (artigo 221, inciso IV). Não tem o menor sentido gastar dinheiro
do povo para divulgar prostituição. É de se lembrar que a queda das grandes
civilizações deu-se quando os costumes se deterioraram, com as mulheres prostituindo-se
nos templos da Babilônia para conseguirem dotes para seus casamentos, assim
como com o relaxamento dos costumes em Atenas, que terminou perdendo a guerra
do Peloponeso para Esparta, e com a degradação familiar no Império Romano
Ocidental, como Políbio referiu-se em seus escritos. Ora, ao cumprir o que
determina a Constituição, valorizando a família — criou, inclusive, uma
Secretaria Nacional da Família —, está o governo cumprindo rigorosamente a lei
suprema. É preferível gastar dinheiro do povo com a saúde e educação do que com
filmes dessa natureza.
Concluo estas linhas afirmando que em nenhum momento defendo
preferências de magistrados pelos membros do Ministério Público ou
desequilíbrio de tratamento entre o parquet e advocacia, como demonstrei no
livro que coordenei com Marcos da Costa, intitulado A Importância do Direito de
Defesa para a Democracia e a Cidadania, com a colaboração de ilustres advogados
e juristas brasileiros. Toda a verdade deve ser apurada. Entendo, todavia, que
os brasileiros deveriam dar aos fatos conhecidos a sua devida relevância, sem
riscos de manipulação, seja pelos criminosos cibernéticos, seja pelas
autoridades dos Três Poderes, pela mídia, por partidos políticos ou pelos
formadores de opinião. Só assim poderemos entregar a nossos filhos e netos um
país melhor do que o que recebemos de nossos ancestrais.

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