Marcelo Hermes-Lima
O jornalista paranaense Paulo Briguet publicou gentilmente
em sua coluna uma análise que fiz sobre produção científica no Brasil. Mostrei
que, em diversas áreas das ciências “exatas” ou “da vida” (as duas juntas são
chamadas de “hard science”), o Brasil apresentava uma posição consideravelmente
ruim quando ranqueado por impacto científico dos trabalhos.
Na área de Biologia e Agricultura (BioAgro), por exemplo,
ficamos em 4º lugar no mundo, em quantidade de trabalhos produzidos em 2015,
mas na 43º posição no quesito citações por artigos (CPP, “citations per
paper”), entre os 44 países que publicaram pelo menos mil trabalhos nessa área
– ou seja, penúltimo lugar.
O indicador CPP é a ferramenta mais utilizada para se
determinar o impacto de milhares de artigos, pois seria impossível ler todos e
fazer algum tipo de avaliação. Dessa forma, se os trabalhos são relevantes
cientificamente, serão citados e poderemos, então, analisar e quantificar tais
citações.
Brasil x Suíça
Neste sentido, por exemplo, o Brasil publicou 13,4 mil
trabalhos de BioAgro em 2015, recebendo 44,2 mil citações (CPP = 3,29). O
primeiro lugar do mundo de BioAgro no ranking de CPP foi a Suíça, com apenas
3.589 trabalhos, mas que geraram 29,8 mil citações (CPP = 8,32). Isso significa
que o Brasil teve apenas 39,5% do impacto científico da Suíça em BioAgro.
Críticos poderiam dizer que apenas o ano de 2015 fora
analisado, e que neste período específico o Brasil teria ido mal. Para
contrapor tal argumento, no entanto, vamos analisar outros anos, realizando uma
série histórica.
Análise
Utilizando a base de dados da Scimago, verificamos que o
impacto brasileiro de BioAgro em relação ao 1º lugar do mundo variou de 28% a
42% entre 2009 e 2017. O resultado de 2015 (39,5%) ficou dentro dessa faixa.
Mas, em relação à posição no ranking CPP, de fato, 2015 foi um ano atípico.
Nesse período, ficamos na penúltima posição em BioAgro no ranking CPP. Em 2017,
ficamos na antepenúltima colocação no ranking de CPP – outro ano ruim. Mas, nos
outros períodos (2009 a 2014, e 2016), ficamos entre 4 a 6 posições à frente do
último lugar. Apesar de 2015 e 2017 terem sido muito ruins para o Brasil em
BioAgro, os outros anos não foram tão melhores.
O texto da coluna de Briguet também mostrou a posição do
Brasil em outras áreas da ciência no ranking CPP. As áreas cobertas foram
Física, Química, Matemática, Medicina, Bioquímica e Engenharia, sempre olhando
para os resultados de impacto de 2015.
Para ter certeza de que fomos justos em nossas análises,
resolvi olhar para os rankings de CPP de 2014 e 2016, comparando com 2015.
Ficamos nas posições entre 30º e 43º em listas de 39 a 58 países, dependendo da
área e ano, se 2014, 2015 ou 2016. Esse ranking foi feito entre países que
publicaram pelo menos 1000 artigos em cada área do saber.
Alta produção, pouca importância
Com essa análise, ficou totalmente claro que o mau
desempenho da ciência brasileira não se restringe a 2015 - aconteceram também
em outros anos. E não foi apenas em hard-science, mas na área de ciências
humanas também. Descobri isso pesquisando subáreas de humanas entre países que
publicaram pelo menos 100 artigos.
Vejamos as publicações em História: 37º no ranking CPP de
2016 de 42 países, e 35º lugar de 37 países em 2015. Nesses dois anos, o Brasil
apresentou 17-18% do impacto do 1º lugar (Dinamarca) em História. Em outras
palavras, a Dinamarca teve 5,7 vezes mais impacto do que o Brasil nesse tema
acadêmico.
Analisemos agora outras subáreas das humanas. Antropologia:
20º lugar de 22 países em 2016, e 18º lugar de 22 países em 2015. Sociologia:
43º de 46 países em 2016, e 40º de 43 países em 2015. Linguística: 40º de 44
países em 2016, e 36º de 37 países em 2015. Educação: 53º de 54 países em 2016,
e 49º de 50 países em 2015.
‘Excesso de doutores’
Todas essas áreas e subáreas cresceram muito em quantidade
de pesquisadores nos últimos 10-15 anos, com aumento consideravelmente grande
do número de doutorandos – que são a verdadeira mão de obra “pé de fábrica” das
linhas de pesquisa nacionais. Assim, a grande produção de artigos por ano pode
ofuscar a qualidade desses estudos. É uma hipótese a se testar utilizando dados
disponíveis na literatura e nos sites governamentais. Mas aposto que estou
certo: a produção em escala industrial de estudos acadêmicos fez cair a
qualidade da ciência, que é atividade artesanal.
Um dado preocupante é o fato da quantidade de recém-doutores
ter aumentado 510% entre 1997 e 2017 (formamos mais de 21 mil doutores em
2017). Se muitos acreditam ser uma vitória do Brasil esse crescimento explosivo
da “produção” de doutores, vejo isso de forma diferente. Curiosamente, a
quantidade de artigos produzidos por ano pelo Brasil aumentou 580% entre 1997 e
2017 – mera coincidência ser um número tão parecido com o do aumento de
doutores?
Para mim, o baixo impacto de nossa atividade acadêmica foi
causado pelo crescimento descontrolado e irresponsável de recém-doutores.
Muitas teses que foram defendidas se transformaram em artigos de baixo impacto
acadêmico – com poucas citações, ou mesmo nenhuma. Por ora, fica a mensagem de
que nossa produção cientifica tem baixa visibilidade mundial – poucos leem e
citam tais estudos. Se são pouco citados, devem ter baixa utilidade acadêmica.
O brasileiro paga grande parte dessa conta. Será que os pagadores de impostos
estão satisfeitos?
Alô, Bolsonaro, precisamos de você para mudar profundamente
essa situação vexatória do Brasil na ciência.
*Marcelo Hermes-Lima é pesquisador e professor de bioquímica
na Universidade de Brasília (UnB). Tem mais de 5,8 mil citações em revistas
científicas internacionais.

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